Eustórgio Wanderley
Foi no tempo da guerra entre a Rússia potente
e os heroicos Nipões , calmos filhos do Oriente.
Em torno do Porto Arthur o cerco se apertava,
como um cinto de ferro e fogo que fechava
as portas da cidade a quem, valente, ousasse
por ali penetrar ou por ali passasse.
Da boca do canhão, a morte, a rir traiçoeira
partia a cada instante e na veloz carreira
a vida ia ceifando aos míseros soldados
tão desumanamente, assim sacrificados!
Quando uma tarde, que cessara de momento
a canhoeira como a cobrar novo alento,
junto à linha de fogo, uma adorável criança
sem mostras de temor e cheia de confiança
aparece correndo. O olhar de quem procura
ansiosa descobrir, naquela massa escura,
de uniformes e fumo, um rosto conhecido;
o risonho perfil de um semblante querido.
Ao ver a pequenina, um japonês, um bravo,
que como língua pátria entendia o eslavo,
pergunta-lhe, tomando em suas mãos calosas
as mãozinhas da criança, alvas e cetinosas:
“__Que desejas, pequena, que procuras em meio
Quem és tu, de onde vens? Que nome tens, menina?”
“__Meu nome” – ela responde – “eu te direi, é Lina,
Procuro meu papai que há muito foi embora.
Há muito que não o vejo e desejava agora
vê-lo outra vez...” “__Para quê?” – pergunta novamente
o filho do Japão, dizendo incontinente:
“__Ele aqui já não está, segue aí adiante,
porém, se algum recado ou coisa semelhante
quiseres que eu lhe dê, breve irei encontra-lo.
Descreve-me os sinais daquele de quem falas
e eu prometo cumprir teu desejo inocente.”
“__É fácil reconhecê-lo” – informa ela contente.
“__É alto o meu papai, é forte e musculoso.
Tem como eu tenho olhos azuis e é formoso
o seu rosto barbado. É claro o seu cabelo,
também da cor do meu, como bem pode vê-lo.”
E do seio retirando um pequeno retrato
acrescenta a sorrir: “Façamos um contrato:
Eu lhe dou este papai pra que não te esqueças,
e vendo o verdadeiro em breve, o reconheças.
Chama-se Ivan.”
“__Pois bem”, - disse o nobre soldado,
que o retrato guardou. Dá-me agora o recado
que hei de procurar o teu papai e em breve...”
“__Mas não é um recado que te peço que leves”
(replica-lhe a menina).
“__Então, dizes o que queres e eu prometo
cumprir o que tu me disseres.”
“__Pois sim”, - Lina responde. – “É este o meu desejo:
Chega junto ao papai e entrega-lhe este beijo...”
Assim dizendo, salta ao colo do soldado
e beija-lhe o semblante em lágrimas banhado.
Um bravo que não chora, ante a terrível matança
chorou ao receber o beijo da criança...
E como o canhão ouvisse bramindo, Lina foi-se
a correr por onde tinha vindo!
Durante a noite inteira o fogo não cessara,
a tropa de aliados aos poucos avançara
num assalto feroz com o inimigo em frente;
cada qual mais cruel, cada qual mais valente!
Quando enfim, à vitória as trombetas ecoaram
e as bandeiras do Sol Vermelho tremularam
sobre a trincheira russa à força conquistada,
todo o céu se aclarava à rósea madrugada,
e pelo campo em fora os mortos e feridos eram,
sem distinção, por todos recolhidos.
Quando, ao ver de um soldado a face descorada
pendida sobre o peito, a blusa ensanguentada,
lembrou-se o japonês das feições da criança.
Olha o retrato e vê: perfeita semelhança.
Era um russo, o ferido, e o japonês o chama: “__Ivan!”
“__Que queres?” o moribundo exclama, surpreso
ao ver seu nome proferido por lábios de um inimigo.
“__Eu te trago escondido” – o bravo continua –
“um beijo que te envia tua filhinha Lina...
Ela mesma o daria se pudesse vir cá.
Não podendo, guardei-o
para agora o depor em tua face em meio”.
E ao dizer isso, calmo o filho do Oriente
beija a fronte do russo e o abraça ternamente.
Comentário por Simone Carvalho:
Esta poesia é clara na sua mensagem.
É um tempo de guerra, duas nações
disputando. Muito sangue, muitas mortes de ambas as partes e numa tarde, depois
da batalha, em meio a tantos corpos mutilados, aparece Lina procurando seu
papai, e em sua inocência, responde às perguntas de um inimigo de seu
pai. Um japonês. Ela quer mandar um beijo para o pai, um russo chamado Ivan. O
japonês promete procurá-lo e dar o recado. Quando o Japão vence a batalha e
hasteia sua bandeira (o Sol Nascente), o japonês encontra o russo Ivan, naquele
chão, ensanguentado. Chama-o pelo nome para confirmar. E, apesar de ser um
inimigo, cumpre o que prometera à Lina: entrega-lhe o beijo na face!
E nós,
quando lemos esta poesia, observamos que a guerra pode separar os povos, mas,
cada soldado traz consigo sentimentos bons. São pessoas que, talvez, se
pudessem escolher, não estariam ali lutando. Prefeririam estar em casa com suas
famílias!
Eu adoro poesia!
SOBRE O AUTOR:
Eustórgio Wanderley nasceu no Recife em 05.09.1882 e faleceu no Rio de
Janeiro em 31.05.1962. Foi jornalista, professor, poeta, compositor, pintor e
teatrólogo. Trabalhou como jornalista no Diário da Manhã do Recife e no Jornal
do Recife. Mudou-se para o Rio de Janeiro e trabalhou no Correio da Manhã, A
Noite Ilustrada, Jornal do Brasil, O Malho, O Tico-Tico. Escreveu Pequena
Biografia, Jornal de Poesia – O Beijo do Papai e Padre Machado. Suas
composições musicais foram: A Pianista, O Almofadinha, A Melindrosa, No Bico da
Chaleira. Como teatrólogo, escreveu O Tio da Roça, e em parceria com Valdemar
de Oliveira e Samuel Campelo, O Mistério do Cofre. 


Essa poesia fez parte da minha infância.
ResponderExcluirEu a declamava em toda oportunidade que tinha. Todos choravam emocionados. Muito obrigada por publica- la.
A poesia da infância da minha paciente Therezinha Dias!
ResponderExcluirO relato da mesma hoje com 90 anos me pediu para procurar esta poesia que hj lembra o momento atual quê estamos vivendo.
Declarei muitas vezes esse lindo poema,quando criança é ainda hoje uma amiga ,contemporânea de escola ,me perguntou se ainda eu lembrava da poesia.Nao só ainda lembro ,como a sei declamar ainda hoje. Com 71 anos .
ResponderExcluirEstou em presença de minha Mãe, que completou 100 anos em agosto passado, e ela acabou de recitá-lo (interpretando...), completo, como eu já havia ouvido e desfrutado várias vezes, desde minha infância.
ResponderExcluir❤️❤️❤️
ExcluirHá muito procurava esse poema. Recitei-o inúmeras vezes nas festas do meu Colégio São José em Caxias- Ma. A plateia não segurava o choro. De quantos papai as guerras de hoje também não ceifam a vida. Quantas Linas não estão chorando agora à falta de seus pais. Como justiçarmos as guerras? Obrigada por nos trazer à memória esse esplêndido poema!
ResponderExcluirMinha mãe declamava essa poesia,faz parte da minha infância.
ExcluirFico muito orgulhosa dos comentários, o Eustórgio Wanderley era meu avô paterno, ele também tem uma tela no Vaticano, não sei o nome , se alguém souber favor me dizer, obrigada
ResponderExcluirMinha irmã Lúcia, ficou muito feliz em ouvi-lo. Declamou na escola quando tinha 8 anos de idade e hoje com 78 anos ainda lembra da poesia em que muito aplaudida foi, quando a declamou pela primeira vez. Aplaudida de pé lembra emocionada.
ResponderExcluirEu conheci esta poesia através da minha querida mãe, Clerice Aguiar de Carvalho, que a recitou com nove anos de idade, na escola em que estudava.
ResponderExcluirQuando eu tinha dez anos, ela a escreveu em uma folha de caderno, para que eu a decorasse e a declamasse na minha escola, como ela tinha feito um dia.
Eu me lembrava de alguns trechos, mas não de toda ela.
O início e o fim, eram bem claros na minha memória.
Foi muito bom encontrar esta poesia por aqui.
Prezada Miryan Cristina, sua história é muito parecida com a minha. Muito bacana poder desfrutar desses comentários e poder ver quantas experiências tão ricas e emocionantes. Também me lembro dessa linda poesia até hoje, 50 anos depois de tê-la declamado no colégio.
ResponderExcluirEu conheço essa poesia desde minha infância, minha vó sempre a declamava. Ela é linda!
ResponderExcluirRecitei muito essa poesia na minha infância, adolescência e até já adulta. Como no jornal que li só aparecia o nome do autor como E. Wanderley, sempre achei que fora escrita por um estrangeiro. Só agora já aos 70 anos, descobri que o autor é brasileiro. Fiquei surpresa e orgulhosa, porque sendo mineira mas morando há 50 anos no Recife, com marido e filhos recifenses, me identifico totalmente com ele. Muito grata pelas infirmações.
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