segunda-feira, 20 de novembro de 2017

O HINO DA CABOCLA

                           
  














                                    (Junqueira Freire)

Sou Índia, sou virgem, sou linda, sou débil
— É quanto vós outros, ó tapes, dizeis!
Sabei bravos tapes, que sei com destreza
Cravar minhas setas nos peitos dos reis!

Sabei que não canto somente prazeres,
Sabei que não gemo somente de amores,
Sabei que nem sempre vagueio nos bosques,
Sabei que nem sempre me adorno de flores.


Meus lábios não beijam os lábios do amante,
Meus lábios combatem tirânicas leis:
Meus lábios são como trovões estupendos,
Que cospem coriscos na face dos reis!

Quem viu-me nas liças, quem viu-me covarde
Aos silvos da flecha, quem viu-me escorar? 
Eu sou como a onça, pequena e valente,
Eu sei os perigos da guerra afrontar!

Enchi meus carcases de agudas taquaras,
Que iguais na floresta jamais achareis;
E dessas taquaras fatais é que pendem
As vidas infames de todos os reis.

Sou Índia, não nego: meu finos cabelos,
Qual juba ferina, bem longos que são!
Porém esse peito, que férvido pulsa,
É másculo, ó tapes, ou é de um leão!

Meu ânimo, ó tapes, aqui vos conjuro,
Bem cedo meu ânimo ardente vereis;
Que eu já me preparo coas setas melhores
Que saibam cravar-se no peito dos reis;

Eu tenho cingidos na fronte, ó guerreiros,
Seis dentes de chefes de inimigas coortes:
Na paz os meus dedos desfiam amores,
Na guerra o meus dedos disparam mil mortes.

Sou Índia, sou virgem, sou débil, sou fraca,
— Só isso vós, tapes injustos, dizeis:
Sabei bravos tapes, que sei com destreza
Cravar minhas setas no peito dos reis.

Comentário  por  Simone Carvalho

- Poesia lindíssima, que fala de uma Índia dos Tapes, que se apresenta como corajosa defensora de ideias (...meus lábios combatem tirânicas leis...).
- colocando-se como guerreira que usa com destreza suas armas contra os soberanos maldosos que os perseguem. (...Que eu já me preparo coas setas melhores que saibam cravar-se nos peitos dos reis...)
- Ela é uma linda índia, sim, mas não aceita só esses elogios dos homens de sua tribo. Quer ser reconhecida como a mulher forte que defende com unhas e dentes sua gente! (...Na paz os meus dedos desfiam amores, na guerra os meus dedos disparam mil mortes...).  


Caboclo origina-se de caâ, mato, e boc, procedente: caaboc, tirado do mato: é, pois, o índio, antes de ampliar o sentido à fusão do indígena com o branco. O povo do interior diz de preferência caboco.
Tapes — indígenas do Sul.
Carcases – são bolsas próprias para carregar flechas.
Liças –as liças eram paliçadas de madeira que rodeavam os castelos, as fortalezas, impedindo o acesso a elas. Taquaras – É uma planta tipo bambu, que servia para fazer flechas.

SOBRE O AUTOR: JUNQUEIRA FREIRE –(31/12/1832 - 24/06/1855). 
Luís José Junqueira Freire foi um poeta brasileiro nascido em Salvador, Bahia. Sua obra lírica divide-se em religiosa, amorosa, filosófica, popular e alguma poesia social, de tom declamatório, precursora de Castro Alves. Participou da segunda geração romântica. Viveu apenas 23 anos.
Publicado no livro Obras Póstumas (1868*).
Poema integrante da série Contradições Poéticas.



Nenhum comentário:

Postar um comentário

Querido leitor, está com dificuldade para postar um comentário?
Siga os passos:
1- Digite no quadro o seu comentário.
2- Em "comentar como" escolha a opção nome/URL e digite seu primeiro nome
3- Não precisa escrever na opção URL
4- Clique em publicar.

Se aparecer a frase "EU NÃO SOU UM ROBÔ", basta seguir as instruções e depois publique.

Bjs